Foi com imenso pesar que soube da medida provisória sancionada em 31 de dezembro de 2010 que instituirá uma Empresa Brasileira para a gestão dos Hospitais Universitários.
Essa Empresa denominada EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A.) atuará no formato de uma Fundação Estatal de Direito Privado, o que se configura uma forma velada de privatização partindo-se da concepção de que os "modelos de gestão flexíveis" trazem no cerne a desresponsabilização do Estado. À medida em que se delega a uma entidade privada a gerência dos Hospitais Universitários, que necessariamente trabalhará na lógica da produtividade e do mercado, subverte-se a lógica da atenção integral, da manutenção de um usuário em um leito por tanto tempo quanto for necessário, avaliando-se as condições sociais às quais está submetido, impondo-o que retorne, mesmo a despeito de uma recuperação conturbada e quiçá, impossível no seu ambiente - por uma necessidade premente de girar leitos, girar recursos e capital.
No momento em que o HC inicia um processo de reestruturação através do REHUF vivenciamos mais um momento de onda privatista (dessa vez em escala nacional). Me pergunto o motivo de se reestruturar os HU´s antes de torná-los geridos pelo poder privado..não seria esse o momento de apostar na atuação pública, na normatização e responsabilização dos profissionais? E o mais intrigante é observar como o solo é preparado para embevecer os usuários e os profissionais. Eis que de repente surge uma vultosa quantia de dinheiro e resolve todos os problemas (estruturais, vale ressaltar). Mais investimentos no HC! E alguns meses depois lança-se um projeto de privatização da gestão...mas agora isso já nem importa, o hospital está todo equipado, bonito, com emergência, porque lutar contra a privatização?
Será que a mera desresponsabilização do Estado, tornando os profssionais CLT (portanto, mais vulneráveis, calados) de fato representa uma melhoria na assistência ou traria a mecanização do trabalho, sentimento de instabilidade e pouco compromisso em construir uma assistência de qualidade? A normatização é capaz de punir os maus profissionais, mas é necessário que os gestores utilizem-se dessas normas. Não se pode direcionar a culpa pelos profissionais faltosos por uma estabilidade naturalizada pelos gestores, mas penaliza-los, como prevê a lei: estabilidade não é e não deve ser sinônimo de impunidade, descompromisso, o RJU precisa ser cumprido e existem instrumentos capazes de penalizar profissionais que não cumprem sua carga horária devidamente.
Há, entretanto, algo de muito danoso na gestão privada da Saúde - para além da lógica invertida, para além de possíveis acordos clientelistas - o silêncio do controle social. As fundações prevêem uma quantidade ínfima de cadeira representativa de usuários. Isso representa uma mácula deletéria aos princípios do SUS. A voz do usuário reduzir-se-á a um canto solitário, a um silencioso bradar. E que motivos existem para silenciá-los?
Quando partimos para uma análise na formação dos estudantes..me pergunto o que será introjetado por um estudante que adentra um Hospital em que a lógica de gerência é privada. Imaginando que muito provavelmente o HC torna-se-á dupla porta (que satirizamos com uma porta para os planos de saúde e uma janela para o SUS), o que é naturalizado para o aluno: os pacientes de plano privado recebem assistência A, os do SUS assistência D e, sendo assim, me comportarei de maneira A com os primeiros e de maneira D com os últimos.
Isso tudo é muito preocupante...e o pior de tudo..todo o patrimônio, toda luta por um saúde universal e de qualidade escorrendo pelo ralo, sob nossos narizes. Não fiquemos calados.
Marcela Vieira
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